A sardinha bem pode estar a desaparecer, mas ainda assim Portugal consome 13 delas por segundo em Junho, mês das festas dos santos populares. Esta é média dos últimos três anos, quando a pesca do peixe mais emblemático da costa portuguesa atingiu mínimos históricos.
Em 2012 e 2013, foram vendidas cerca de 2500 toneladas de sardinhas descarregadas nos portos nacionais em Junho, de acordo com dados da Docapesca, a empresa estatal que gere as lotas. Em 2014, o número caiu para 1952 toneladas.
Traduzidos em peixes, estes valores representam em média 35 milhões de sardinhas no mês dos santos, segundo cálculos do Instituto Português do Mar e da Atmosfera (IPMA), com base em amostras recolhidas nos portos.
É mais de um milhão de sardinhas por dia, 48 mil por hora ou 805 por minuto. Na prática, é como se em cada segundo fossem servidas duas doses de seis unidades, acrescidas de uma sardinha de brinde.
Podem parecer números astronómicos, mas na verdade nunca foram tão baixos. Em 2014, a pesca da sardinha atingiu o seu ponto mais fraco dos últimos 75 anos. Ao longo de todo o ano, os pescadores portugueses e espanhóis capturaram nas águas atlânticas da Península Ibérica apenas 28 mil toneladas. Há dez anos, as redes apanhavam em torno de 100 mil toneladas e há 30 anos, 200 mil.
Durante anos, ninguém imaginou que isto pudesse acontecer. E, ironicamente, o declínio mais acentuado coincidiu com um momento de certo júbilo, quando a pesca de cerco à sardinha em Portugal recebeu um selo internacional de actividade sustentável. Em 2010, data da certificação atribuída pela Marine Stewardship Council, a frota portuguesa pescou 64 mil toneladas de sardinhas.
No ano seguinte, porém, o Conselho Internacional para a Exploração do Mar – uma organização intergovernamental que avalia periodicamente os recursos de pesca – alertou para a precária situação do stock ibérico de sardinha e sugeriu um corte radical nas capturas, para a metade.
O selo de sustentabilidade do MSC foi suspenso e em Portugal soaram todos os alarmes. Em 2012, o Governo determinou paragens obrigatórias das traineiras entre Janeiro e Abril e impôs limites de desembarques de sardinhas para resto do ano. Além disso, avançou com um plano de gestão, fixando uma regra para determinar quantos peixes poderiam ser capturados, em função do estado do stock.
Sob este controlo, a pesca da sardinha em Portugal caiu para 32 mil toneladas em 2012, 28 mil em 2013 e apenas 16 mil em 2014.
O que vem nas redes é um fraco termómetro para avaliar o que se passa com a sardinha. O que mais importa não são tanto os peixes adultos que são capturados, mas a quantidade de jovens, com menos de um ano, que está debaixo de água. São um indicador do sucesso ou insucesso da última época de reprodução, antecipando o que vai acontecer à concentração de sardinhas nos anos seguintes.
Nada deixa os investigadores do Instituto Português do Mar e da Atmosfera (IPMA) mais ansiosos do que um gráfico que mostra, ano a ano, esta evolução. Nele surgem alguns picos esporádicos, seguidos de alguns anos com níveis mais baixos. É um ciclo natural, que ocorre em intervalos de quatro a cinco anos. “Tem de haver esses picos de recrutamento, para a população se manter”, explica o biólogo Miguel Santos, do Departamento do Mar e dos Recursos Marinhos do IPMA.
Mas as coisas não estão a correr bem. Desde 1978, os picos têm sido progressivamente menores. E o último deles ocorreu em 2004. Já lá vai uma década sem a entrada de uma multidão expressiva de peixes juvenis no stock ibérico da sardinha, que por isso tem vindo a minguar. Por cada quatro sardinhas no mar em 2006, havia uma em 2012.
Há definitivamente algo de errado na reprodução da espécie, e os cientistas têm-se esforçado para explicar porquê. Há cerca de quinze anos, Miguel Santos e outros investigadores do IPMA identificaram uma relação entre ventos mais intensos na costa no Inverno e os baixos níveis de recrutamento observados também nos anos 1990. No Verão, a nortada é benéfica para a sardinha. Provoca um afloramento de águas frias e carregadas de nutrientes do fundo do mar e os peixes banqueteiam-se neste festim. Mas se ocorre no Inverno, coincide com a época de reprodução e acaba por dispersar os ovos e larvas, tornando mais difícil a sua sobrevivência.
Trabalhos mais recentes apontam outros factores. Um estudo de 2013, de investigadores do IPMA e da Universidade da Califórnia, sugere uma relação entre o declínio da sardinha e a abundância da cavala na costa portuguesa. Parte da explicação é ambiental e está relacionada com o aumento da temperatura do mar nas últimas décadas. Águas mais quentes não são boas para a reprodução da sardinha. Mas são mais atraentes para a cavala, uma espécie subtropical que está em expansão para norte.
Também há razões biológicas. As larvas e juvenis de ambas as espécies competem pelo zooplâncton, o seu alimento. E ambas predam-se mutuamente, com vantagem para a cavala, que, além dos ovos, alimenta-se também de juvenis de sardinhas. Outro detalhe: a sardinha tem comportamentos canibalísticos e come os seus próprios ovos no Inverno, quando há menos alimento disponível.
A pesca é o factor humano a pesar sobre essas flutuações naturais. Em momentos de baixo sucesso reprodutivo, capturas elevadas podem ser desastrosas. E foi isso o que aconteceu recentemente. “O declínio não começou com as pescas. Mas nos últimos anos pode ter havido potencialmente situações de excesso”, afirma a investigadora Alexandra Silva, também do IPMA.
Os números apontam neste sentido. A taxa de exploração da pesca da sardinha – ou seja, a proporção da biomassa existente que é capturada – subiu de 17% em 2006 para 44% em 2010 e permaneceu perto desse nível durante três anos, quando a quantidade de sardinhas no mar estava no seu valor mais baixo desde 1978.
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